Confirmei a deglutição com um gole de água. As interpretações psicanalíticas, deixo-as para os estudiosos da linguagem onírica; os pecados, para o padre-confessor. Concentrei a atenção nos motivos para o tema do sonho. De imediato, lembrei-me do mais evidente: em 05 de maio, comemora-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Sobre paronomásias e rimas, lembrei-me depois. As respostas me aguardavam na na estante da biblioteca.
No livro A língua
absolvida – história de uma juventude, de Elias Canetti, o menino é
ameaçado todas as manhãs por um homem sorridente, que lhe pede para mostrar a
língua, abre um canivete e, com a lâmina bem perto, diz: “ Agora lhe cortaremos
a língua”. No último momento, ele recolhe. “[...] A ameaça com a faca produzira
seu efeito, a criança silenciara sobre isso durante dez anos” (1987, p.
11-12)[1]
No livro Mulher emudecida – contos, de Maria Mortatti: a menina demorou a aprender a falar. A mãe, desesperada; o pai, irritado, interveio com a solução caseira de água na casca do ovo todos os dias. Mas o "milagre" lhe custaria caro: “Só vai poder falar o que eu e sua mãe mandarmos. Se não obedecer, você perde a voz para sempre.” ( 2021, p. 39-40) [2]
A ameaça também produziu seu efeito. Durante seis décadas, a menina, a jovem, a mulher silenciaram as palavras proibidas. 375 noites atrás, iluminada pela Superlua Rosa, a mulher outrora emudecida finalmente lançou sua voz. Desta vez, é real. As palavras desengasgadas estão registradas nas páginas do livro.
Sobre as figuras fônicas
parônimas, comento em outro momento. Sobre ecos também. Por ora, com pedido de
perdão por tê-la feito esperar por tanto tempo para ser ouvida, declaro absolvida a língua da mulher emudecida!
MARIA MORTATTI – 05.05.2022
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[1] Canettti, Elias. A
língua absolvida: história de uma juventude. Tradução Kurt Jahn. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
[2] Mortatti, Maria. Mulher
emudecida (contos). São Paulo: Scortecci Editora, 2021. (À venda em: www.livrariaasabeca.com.br)