[Confiram outras entrevistas na página VÍDEOS, neste Blog]
ENTREVISTA COM MARIA MORTATTI
AUTORA DE: O PRIMEIRO LIVRO DE ARTHUR (SCORTECCI EDITORA, 2022)
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ENTREVISTA COM MARIA MORTATTI
AUTORA DE: MULHER UMEDECIDA (sCORTECCI eDITORA, 2020)
Do que trata o seu Livro? Como surgiu a ideia de escrevê-lo e qual o público que se destina sua obra?“Mulher umedecida” é o segundo (e o único publicado até agora) de uma trilogia composta por outros dois títulos: “Mulher emudecida” e “Mulher enlouquecida”. A voz feminina e o amor são os elementos comuns aos três. “Mulher umedecida” contém 55 poemas, escritos em 155 dias e noites, entre 15 de janeiro e 15 de julho de 2020, dispostos em quatro movimentos. Representam estados íntimos do eu-poético e se assemelham a páginas de diário, em que se vai tecendo a narrativa de uma longa e tortuosa jornada ritmada pelos sentimentos da mulher na relação com seu amado, a quem dedica os poemas. Como uma peça poético-musical resultante do entrecruzamento de referências a composições literárias, musicais e pictóricas, entre começos, fins e recomeços, o livro representa uma declaração de amor sem começo nem fim ofertada pela mulher ao homem que a umedeceu.O tema do amor é universal. Por isso, o livro pode ser lido por todas as pessoas que acolherem o convite e se deixarem tocar pelos poemas. Recebi comentários muito positivos de público diversificado: mulheres, homens, jovens e adultos. Todos se dizem tocados pelos poemas, mas por motivos diversos. Alguns gostaram de poemas mais densos, alguns identificaram a importância da família, outros destacaram as referências musicais e literárias. Nem sempre os comentários coincidem com os sentidos imaginados pela autora. Cada leitura integra também a história de vida e de leitura de cada um. Por isso, o leitor tem sempre razão em sua emoção.Fale de você e de seus projetos no mundo das letras. É o primeiro livro de muitos ou apenas o sonho realizado de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um Livro?Meus projetos no “mundo das letras”, eu os venho realizando há mais de quatro décadas, e muitos ainda estão por se realizar. Até o momento, publiquei 12 livros (além de dezenas de artigos e ensaios e outros dois livro em fase de publicação) sobre assuntos acadêmico-científicos, resultantes das pesquisas que realizo como professora universitária na Unesp - Universidade Estadual Paulista, campus de Marília. Neste momento, outros dois livros estão em fase de publicação.Também há mais de quatro décadas escrevo textos literários (contos e poemas principalmente). Mas apenas recentemente comecei a publicá-los. “Mulher umedecida” (Scortecci, 2020) é o segundo livro de poemas. O outro é “Breviário amoroso de Sóror Beatriz” (Patuá, 2019). Em fase de publicação há outro livro de poemas, “Cancioneiro da espera”, e um de contos, Mulher emudecida. Em elaboração, há outros que espero finalizar em breve.O que você acha da vida de escritor em um Brasil com poucos leitores e onde a leitura é pouco valorizada?Exceto em casos excepcionais, não se consegue mesmo viver exclusivamente de recursos de direitos autorais ou atividades afins à atividade do escritor. Os recentes resultados da 5ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” (Instituto Pró-Livro/Itaú Cultural não são muito animadores em relação ao aumento do número de leitores — aqueles que leram, no todo ou partes, pelo menos um livro nos últimos três meses — embora indiquem que é relevante o número dos que leem literatura em diferentes gêneros e modalidades de textos. Mas ainda é baixo o número de leitores, e a leitura ainda é pouco valorizada. Um e outro dependem de avanços nas condições sociais, econômicas, culturais e educacionais do país. No entanto, o que se constata nos últimos anos no país é justamente o contrário: estagnação ou retrocessos em relação às políticas de incentivo à leitura, por meio de descaso governamental ou de ataques diretos, como a recente proposta inconstitucional de “taxação” do livro, impactando negativamente toda a cadeia produtiva do impresso, como parte da reforma tributária proposta pelo governo federal.Como você ficou sabendo e chegou até a Scortecci Editora?Conheço há muito tempo a Scortecci, seja por meio dos livros que edita seja por meio das pesquisas sobre leitura e literatura que realizo como professora universitária. A experiência e o profissionalismo dessa editora foram fatores importantes para eu decidir apresentar a proposta de publicação, que foi acolhida pelo editor. Acompanhando todo o processo de produção, distribuição e divulgação do livro, pude confirmar, com satisfação, o excelente trabalho realizado pela editora.O seu livro merece ser lido? Por quê? Alguma mensagem especial para seus leitores?Como todos os textos que escrevo, “Mulher umedecida” também foi movido pela paixão pela vida. É uma celebração do amor que toca do coração da mulher para seu amado e se oferece a todas as pessoas, como um convite a se deixarem tocar por esse sentimento tão profundamente humano. E a se deixarem tocar por meio da poesia, o mais “gratuito” dos gêneros literários. Especialmente nestes tempos de tantas incertezas, o livro merece ser lido, pois oferece a possibilidade de deleite e fruição, como formas de resistência e esperança.
BLOG DO ESCRITOR <https://portaldoescritorscortecci.blogspot.com/2020/08/entrevista-com-maria-mortatti-autora-de.html>
Entrevista com Maria Mortatti, especialista em alfabetização
Para professora, desafios da educação brasileira vão além de iniciar as crianças na leitura e na escrita
Mesmo com avanços econômicos que refletiram na qualidade da educação, o Brasil ainda enfrenta desafios básicos, como o de alfabetizar com qualidade seus estudantes. Para analisar as raízes dessas e outras questões, Maria do Rosário Longo Mortatti organizou o livro Alfabetização no Brasil: uma história de sua história (Cultura Acadêmica / Oficina Universitária, 310 páginas), vencedor do prêmio Jabuti 2012 na categoria educação. Presidente da Associação Brasileira de Alfabetização, a professora da Unesp é uma das maiores especialistas do país sobre o assunto, que pesquisa há mais de 30 anos.
A obra, surgida a partir de reflexões tomadas no Seminário Internacional sobre História do Ensino de Leitura e Escrita, em 2010, trata sobretudo da contribuição acadêmica para os estudos da alfabetização. Na entrevista a seguir, concedida por email, Maria Mortatti fala sobre a pesquisa científica, carreira docente e qualidade da educação brasileira.
Boa parte das pesquisas apresentadas durante o I Seminário Internacional sobre História do Ensino de Leitura e Escrita são trabalhos de mulheres. Essa característica tem a ver com a atratividade da carreira docente?
Maria Mortatti — A feminização do magistério no Brasil é aspecto relevante e vem sendo estudado na produção acadêmico-científica das últimas décadas. Mas não é possível afirmar que essa situação esteja relacionada com atratividade da carreira docente, mesmo porque se constata que vem decaindo drasticamente o interesse pela profissão. No caso das pesquisadoras brasileiras que convidei para participar do I SIHELE, não foi obviamente sua condição de gênero que determinou a escolha e o convite, foi sua condição de representatividade em relação a grupos e núcleos de pesquisa que tratam da história da alfabetização. O fato de serem todas mulheres, porém, é significativo e nos leva a pensar em explicações relacionadas, por exemplo, com a história de vida e de formação e atuação profissional das pesquisadoras brasileiras convidadas: a maioria delas tem formação inicial em Pedagogia ou Letras e atua em programas de pós-graduação em Educação; muitas delas já atuaram como professoras da Educação Básica, anteriormente ao ingresso na carreira docente universitária. Mas explicações mais consistentes precisam ser buscadas, por meio de pesquisas rigorosas. Esse é um tema relevante, e seu estudo pode contribuir, também, para compreensão de outros aspectos relacionados tanto com a história da alfabetização quanto com a feminização do magistério.
A questão do letramento tem sido bastante debatida em âmbito acadêmico. Esse debate tem refletido em melhorias na educação?
Maria — Nem sempre o debate acadêmico tem reflexos diretos e imediatos em outras esferas da sociedade. Essa situação é ainda mais complexa, quando se trata de temas novos e ainda polêmicos, como é o caso do letramento. E, no âmbito acadêmico, também não há consenso nem em relação à necessidade desse novo termo e correspondente conceito, nem em relação às mudanças que podem ser geradas com a adoção do conceito e de propostas e práticas pedagógicas a ele associadas. De qualquer forma, algumas mudanças já ocorreram, desde a década de 1990, quando o conceito de letramento passou a ser divulgado e debatido. Uma dessas mudanças se encontra na preocupação de professores e gestores da educação em avançar relativamente a um conceito restrito de alfabetização. Mas a discussão é mais abrangente, e a mera adoção de novo termo não significa mudança da realidade do ensino inicial da leitura e escrita.
O senso comum afirma que a educação brasileira já viveu melhores momentos. Essa afirmação é correta?
Maria — De um ponto de vista científico, essa afirmação é equivocada e talvez sirva somente para justificar questionáveis decisões políticas. Compreender historicamente a vida e as ações humanas é compreendê-las no contexto sócio-histórico, em que determinados sujeitos tomaram determinadas decisões que não são naturalmente neutras, nem verdadeiras. E conhecer e compreender a história da educação e da alfabetização é fundamental, tanto para não repetirmos o passado quando para não imaginarmos, ingenuamente, que o passado não constitui o presente. O desafio que a compreensão histórica nos propõe, cotidianamente, é o de nos situarmos e agirmos ética e politicamente no presente histórico, considerando a tensão entre o passado e o futuro. Na história não há repetições, há mudanças. E se as mudanças contribuem para melhorar ou piorar a vida das pessoas, essa não é uma questão de verdade científica ou política, embora possa ser mais cômodo imaginar que o que foi bom para alguns no passado possa ser bom para todos, no presente e no futuro.
Quais foram os principais erros históricos que fazem com que a educação brasileira ainda tenha tantos jovens à margem de um ensino de qualidade?
Maria — De um ponto de vista histórico, não se pode, de acordo com critérios do presente, simplesmente classificar como erros as decisões de gerações anteriores. A história não é tribunal e o historiador não é juiz. Avaliações consequentes demandam primeiramente compreender o que foi feito, por quem, para/com quem, quando, onde, por quê, para quê. Compreender, porém, não é perdoar. E a compreensão exige posicionamento crítico, que somente pode ser relevante se contribuir para a compreensão também do presente e das necessidades e possibilidades de mudança. Não se pode, portanto, simplesmente elencar erros históricos que levaram à triste situação em que se encontram hoje crianças, jovens e adultos excluídos do ensino de qualidade. Compreender historicamente a configuração desse processo é necessário, mas é imprescindível compreender também o que queremos e o que podemos fazer hoje. Um bom começo é discutir o que é o “ensino de qualidade” que de fato interessa à população brasileira e que não está a serviço de interesses de grupos políticos nacionais e internacionais.
O que seria um ensino de qualidade? Por que o Brasil ainda está aquém dele?
Maria — Poderíamos começar pensando que o fato de estarmos muito próximos de atingir a meta de universalização da Educação Básica pode ser um alento para buscarmos a definição dos parâmetros de qualidade, que começam com a necessidade de todas as crianças poderem ler e escrever, de fato, enquanto “aprendem a ler e a escrever”. A separação entre esses momentos é uma herança nefasta que se incorporou à tradição escolar e que, para muitas crianças, tornou-se um abismo intransponível. Depois de tanto tempo gasto com “período preparatório”, com incessantes “diagnósticos de nível de conceitualização da escrita”, com tantos “simulados” para treinamento para testes de leitura e escrita, com tantas prescrições de “idade certa” para o aprendizado da leitura e escrita, depois de tantas atividades que nada têm a ver com ler e escrever, dificilmente professor e alunos conseguem ver sentido na rotina de uma classe de alfabetização, ou nos anos escolares subsequentes. E, quando finalmente chegar a hora “prescrita” e “autorizada” certamente muitos alunos já terão “desistido” de lutar pelo seu direito a ler e a escrever, por que já podem ter aprendido que ler e escrever é algo que serve somente para ser bem (ou mal)sucedido na escola.
Como a senhora avalia a qualidade e a pertinência de índices que buscam detectar os níveis de analfabetismo no Brasil, como o Inidicador de alfabetismo funcional (Inaf)?
Maria — Iniciativas como o Inaf , criado pelo Instituto Paulo Montenegro e a Ong Ação Educativa, são importantes, quando se aceita a necessidade de avaliação da educação. Mas há problemas que precedem, tais como, o da definição de indicadores de avaliação, cujos princípios e objetivos precisam discutidos. Se toda avaliação deve ter função diagnóstica e prognóstica, devem-se também discutir e estabelecer claramente critérios, que não são universais e naturais, mas estão na base dos resultados das avaliações, que, por sua vez, estão na base da definição de programas, estratégias e ações. Trata-se, portanto, de avaliar não aspectos técnicos, mas políticos. Apesar desses problemas, considero que o Inaf representa avanços em relação a outros indicadores relativos ao analfabetismo, especialmente por tomar como critério o conceito de “alfabetismo funcional” e definir os quatro níveis: “analfabeto”, “rudimentar”, “básico” e “pleno”. Dos pontos de vista histórico e social, esse conceito busca apreender as novas configurações e compreensões do problema do analfabetismo. Os resultados de sua aplicação podem, assim, fundamentar mais adequadamente diagnóstico do problema e formulação de políticas públicas.
Os professores da Educação Básica, independente da disciplina em que atuam, estão alfabetizados de maneira plena, de maneira que consigam ensinar suas disciplinas de maneira satisfatória?
Maria — Do meu ponto de vista, esse é um dos problemas mais complexos da educação no Brasil. Em que pesem todas as iniciativas atuais, que não são poucas, para enfrentar os problemas educacionais, há aspectos de difícil enfrentamento. Trata-se daqueles que dizem respeito às relações de ensino-aprendizagem que ocorrem entre professor e alunos, na sala de aula. No âmbito dessas relações é que se concretizam, ou não, políticas públicas, por exemplo. Certamente os professores brasileiros são alfabetizados. Provavelmente, porém, a grande maioria ainda não tenha tido condições de experimentar a importância da leitura e escrita, mas como vivência transformadora de sua condição humana. Assim, suas tarefas cotidianas de ensino da leitura e escrita tendem a se restringir à reprodução de discursos sobre a importância da leitura e da escrita. Mas ensinar não é um exercício de convencimento. E as crianças não esperam ser convencidas, muito menos por meio de discursos. Por que, como sabemos, as palavras podem comover, mas são os exemplos que arrastam.
Nas sucessivas reformas do ensino, o Brasil conseguiu avançar nas políticas de alfabetização?
Maria — A alfabetização, ou seja, o processo de ensino inicial da leitura e escrita é objeto de preocupação de governantes desde, pelo menos, o período imperial brasileiro. Mas foi após a proclamação da República que o ensino inicial da leitura e da escrita passou a ser objeto de ações sistemáticas por parte dos governos estaduais e federal, porque a alfabetização do povo se tornou estratégica para a consolidação do regime republicano. Muitas e intensas foram as iniciativas para a consecução do objetivo político e social de alfabetizar crianças, jovens e adultos do país. Nas décadas finais do século XX, porém, intensificaram-se iniciativas visando à formulação de políticas públicas para se alcançarem tanto objetivos demandados pela sociedade civil, no processo de redemocratização do país, quanto objetivos impostos por organismos internacionais, para a inserção do país na nova ordem mundial. Dessas demandas e objetivos, muitas vezes com interesses opostos, resultou um movimento de interesse consensual a respeito da necessidade de investimentos de todo tipo na alfabetização. Sem dúvida, os vultosos investimentos políticos, econômicos e sociais podem ser considerados um importante avanço. Mas não é possível avaliar com exatidão quem são os maiores beneficiados.
A senhora poderia apontar uma ou mais metodologias pertinentes para a alfabetização de crianças? Elas estão presentes de maneira satisfatória na educação do país?
Maria — A história da alfabetização no Brasil nos ensina quão inócua foi a querela dos métodos de alfabetização, que se iniciou nas décadas finais do século XIX, teve seu auge até meados do século XX e, atualmente, continua ativa, embora mitigada no conjunto de discussões sobre alfabetização. Como ocorre com todo processo de ensino-aprendizagem escolar, também a alfabetização demanda processos intencionais, sistemáticos e metódicos. Um método de ensino é também necessário. Mas busca responder somente à pergunta “como ensinar” e é, portanto, somente um dentre os demais aspectos que caracterizam o processo de ensinar e aprender. Antes de decidir qual método de alfabetização utilizar, é imprescindível buscar respostas consequentes e rigorosas para as seguintes questões: por que, para que, quem, para quem, quando, onde, o que ensinar para que o aluno aprenda a ler e escrever, como parte importante de seu processo de formação humana.
CLIC RBS - A educação precisa de respostas.<http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/precisamosderespostas/19,1430,3975873,Entrevista-com-Maria-Mortatti-especialista-em-alfabetizacao.html>