Trabalhando em uma das atividades do ofício de
docente universitária, lembrei-me do concurso que prestei, em 1977, para
provimento de cargo de professora de Português, na rede pública de ensino do
estado de São Paulo. Além das provas de conteúdo específico, com testes de
múltipla escolha, havia a prova de redação. O tema daquele ano foi “Compare 'O
Crime do Padre Amaro', de Eça de Queirós, e 'O Cortiço', de Aluísio Azevedo, à
luz do conceito de romance.”
Embora, durante o curso de Letras – que concluí em
1975 –, eu tenha tido excelente formação acadêmica, li e estudei a obra desses
escritores e também teoria literária, não foi fácil escrever sobre o tema em
apenas quatro horas e passar a limpo em folha de papel almaço, com letra
nervosamente (i)legível. Analisei e comparei os elementos constitutivos dos
dois romances, com base no conceito apresentado por Massaud Moisés, em “A
criação literária”. Não ficou perfeito. Mas deu certo. Fui aprovada. Nesse
cargo permaneci durante 13 anos, lecionando as disciplinas Português, do
currículo de 5ª. a 8ª. série do ensino de 1º. grau (atualmente, ensino
fundamental), e Português e Literatura Brasileira e Portuguesa, do ensino de
2º. grau (atualmente, ensino médio), além de outras, como Inglês – por breve
período, em outro cargo que assumi, por concurso – e Conteúdo e Metodologia da
Alfabetização, Língua Portuguesa e Literatura Infantil, no CEFAM-Campinas.
Durante 15 anos – incluindo 2 anos como professora-substituta, antes do
concurso –, formei jovens autores e leitores de textos de diferentes tipos e
gêneros literários de escritores representativos da literatura brasileira e
universal, sem censuras peterpanizantes.
Em 1991, exonerei-me daquele cargo, após concluir o
doutorado em Educação e ingressar, por concurso, como docente na Unesp. Desde
então, além das atividades de pesquisa, de pós-graduação e de extensão, atuo no
curso de Pedagogia, lecionando disciplinas – com duração de um semestre letivo
– voltadas a ensinar os alunos futuros professores a ensinarem língua
portuguesa (incluindo alfabetização) e literatura, supondo que tenham ao menos
conhecimentos básicos dessas matérias. E – o mais triste – sabendo que poucos
ou nenhum deles tiveram a oportunidade de ler, por exemplo, Eça de Queirós ou
Aluísio Azevedo, nem de aprender sobre gêneros literários. E acham que
"romance" significa apenas uma relação amorosa...
Não sou mais, oficialmente, professora de português
e literatura. Mas o ofício que escolhi há 45 anos não sai de mim. Nem tudo o
que, há mais de 60 anos, aprendi e vivencio como leitora, poeta e escritora,
atividades a que me dedico inteiramente. Por isso, continuo escrevendo e lendo
também para meus alunos, no início de cada aula, sobretudo os textos que lhes
foram negados, e oferecendo-lhes o desafio do desejo de usufruírem de seu
direito humano de serem e formarem autores e leitores.
Maria Mortatti – 28.05.2022