John Mitchell Durham Jr. (02.02.1929-27.11.2008), natural de Dayton/EUA, imigrou em 1957 para a cidade de São Paulo, Brasil, onde faleceu. No início dos anos 1970, foi meu professor de literatura norte-americana no curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (encampada pela Unesp em 1976). Ministrava aulas em Inglês, e também nesse idioma tínhamos de ler os textos literários e redigir trabalhos e provas da disciplina. Mas, quando se tratava de marcar a data de prova, falava sempre em Português, para não haver dúvidas. Durante uma aula em setembro de 1974, ele ofereceu alguns livros como doação. Fui uma das primeiras a aceitar um exemplar de Ethan Frome – com introdução da autora, romance de Edith Wharton, publicado pela Charles Scribner’s Sons, Nova York, sem data, em edição especial para estudantes. Foi assim que conheci a autora.
Li e gostei da história e da estrutura da narrativa, que se passa na cidade imaginária de Starkfield, região rural da Nova Inglaterra, EUA, com predominância de clima de inverno rigoroso. Ethan Frome se casa com Zeena. Com pouca coisa em comum, a vida do casal se torna insuportável, Zeena fica constantemente adoentada e chama sua prima Martie para ajudá-la. Ethan e Martie se apaixonam; Zeena, desconfiada, manda a prima de volta para sua casa e pede para Ethan levá-la à estação. Inconformados com a separação, os amantes decidem cometer suicídio juntos, num trenó em alta velocidade em direção a uma árvore. Na descida, Ethan se distrai por um instante com a imagem de Zeena na mente, não consegue atingir diretamente a árvore. Ambos sobrevivem. Ele fica coxo de uma perna e Martie, paralítica. Passam a morar os três juntos, dividindo um quarto pequeno. Zeena passa a cuidar da prima e Ethan arrasta a perna como se estivesse acorrentado numa trágica relação da qual nenhum dos três consegue se livrar.
Edith Wharton (Nova York, 24.01.1862 – Saint-Brice-sous-Forêt, 11.08.1937), autora de mais de 40 livros, além de centenas de contos e poemas, foi uma mulher excepcional para sua época. Não se adaptava aos padrões, costumes e papel destinado às mulheres da alta sociedade nova-iorquina a que pertencia sua família Jones. Ocupava-se desde a infância com estudos, leituras e escrita de histórias e poemas. Na adolescência foi desaconselhada pela mãe a parar de escrever para não afastar possibilidades de casamento, já que escritores e artistas, principalmente mulheres, eram vistos com desconfiança. Mas continuou escrevendo contos e romances em segredo, além de escrever, ela mesma, duras críticas imaginárias sobre seus livros. Com 15 anos de idade escreveu um romance – Fast and Loose (Rápido e solto), publicado postumamente em 1938. Com 20 anos de idade, pouco antes da data do casamento com um empresário do ramo imobiliário, ele rompeu o noivado alegando uma suposta predominância intelectual de Edith e suas reprováveis ambições como escritora. Ela se casou depois com Teddy Wharton, também de família aristocrática. Os interesses de ambos eram diferentes, não tiveram filhos, Edith cumpria suas obrigações sociais e continuou escrevendo e publicando regularmente contos em revistas.
Destacou-se literariamente aos 43 anos de idade, com o sucesso do romance The house of mirth (A casa da alegria), publicado em capítulos iniciados em 1905, na Scribner’s Magazine. Com a história da protagonista Lily Bart que comete suicídio por não conseguir se encaixar nos padrões da aristocracia, Edith conquistou reconhecimento, fama e dinheiro, tornou-se escritora profissional e não parou mais de escrever, ainda que secretamente na cama, todas as manhãs, como contam seus biógrafos. O casal passou a morar em Paris, onde Edith conheceu círculos de escritores e artistas, teve um amante secreto, causando problemas para seu casamento, e se divorciou para não passar o resto da vida como se estivesse morta. Com base em sua experiência, escreveu o romance que se tornou um clássico: Ethan Frome (1911), com adaptação cinematográfica em 1993, dirigido por John Madden.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Edith escreveu um romance sobre aqueles acontecimentos. Para tentar persuadir os EUA a aderirem, abriu hospitais, tratou de doentes, escreveu relatórios. Por seus esforços em prol dos refugiados da guerra recebeu em 1916 a Legião de Honra do governo Francês, a maior honra concedida a estrangeiros por serviços prestados ao povo francês. Às vésperas do armistício, começou a escrever uma de seus romances mais famosos The age of innocence (1920), cuja história se passa 50 anos antes, no mundo em que tinha nascido, como contraposição às ruínas do período pós-guerra. Com esse romance, foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Pulitzer de Ficção, em 1921. A história foi adaptada para o cinema em 1994, com direção de Martin Scorsese.
Assim como eu, outros estudantes tiveram a oportunidade de conhecer, por meio de Mr. Durham, Edith Wharton e tantos outros escritores norte-americanos em textos originais. Soube depois, pelo site Faculdade de Ciências e Letras da Unesp – Araraquara, que Mr. Durham formou e manteve por décadas na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp – Araraquara, o acervo do Reading Center Prof. John Mitchell Durham, Jr., vários exemplares de mesmos títulos, em textos originais, disponibilizados aos alunos, por empréstimo. Ainda tenho guardado em minha biblioteca aquele exemplar de Ethan Frome com as anotações que fiz na época. Entre elas, estão trechos da introdução feita pela autora, justificando a escolha do tema e da forma: todo tema “contém implicitamente sua própria forma e dimensões. [...] deve ser tratado de forma tão crua e resumida como a vida sempre se apresentou aos meus protagonistas; qualquer tentativa de elaborar e complicar seus sentimentos teria necessariamente falsificado o todo; e o mais interessante da história é sua construção, caracterizada pela simplicidade com que o narrador conta a misteriosa história iniciada no passado da narrativa, sem falsificar sentimentos dos personagens, os “afloramentos de granito”.
Retomando, quatro décadas depois, o livro e minha história de sua leitura, pude compreender melhor as lições de Mr. Durham. Ao me presentear com o relato do misterioso caso de Ethan-Zeena-Martie, ele me proporcionou também relembrar, mais de 110 anos depois da publicação do livro, a explicação de Edith Wharton sobre os objetivos de um autor: “devem ser sentidos e executados quase que instintivamente pelo artista antes que possa passar para sua criação aquele algo mais imponderável que faz com que a vida circule nela e a preserva um pouco da decadência”.
Maria Mortatti – 25.05.2025