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À SOMBRA DOS OITIS / MARIA MORTATTI

Oiti é uma árvore característica da Mata Atlântica e também de um trecho de rua de paralelepípedos no centro de minha cidade natal, Araraquara/SP, a “Morada do Sol”, fundada em 22 de agosto de 1817, por sesmeiros que ganharam terras do Imperador Pedro I. Conforme relatos dos historiadores Rodolpho Telarolli (1933 – 2001) e sua filha Teresa Telarolli, no início do século XX, mudas de oitis foram compradas no Rio de Janeiro e plantadas na Rua 5 e na Rua 3, como parte de amplo projeto de embelezamento da cidade, marcada por trágicos acontecimentos no final do século XIX: a epidemia de febre amarela, entre 1896 e 1897, que dizimou metade de sua população, incluindo minha bisavó materna, Raphaela (Cezarini) Valentino Abramo; e o brutal linchamento dos Britos – tio e sobrinho –, em 1897, por vingança política da família de um “coronel” local, o boticário Antônio Joaquim de Carvalho, assassinado por Rozendo Brito. Esses episódios tiveram repercussão nacional, manchando o nome da cidade, e até hoje são lembrados, como lendas, para alguns, ou como fatos registrados e analisados no livro Britos: república de sangue, de Rodolpho Telarolli (Edições Macunaíma, 1997). A rua se chamava “Alegre” até 1911, quando foi rebatizada de “Voluntários da Pátria”, em homenagem aos 30 jovens araraquarenses que lutaram na Guerra do Paraguai (1864 – 1870). Em 2008, passou a se denominar “Boulevard dos Oitis”, num trecho de 10 quarteirões. As árvores, o calçamento original de paralelepípedos e as calçadas, onde se encontram – dizem – pegadas de dinossauros, tornaram-se um dos cartões-postais da cidade. 

Tudo isso eu soube depois. Na infância e juventude, entre final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a Rua 5 era, sempre que possível, a opção para me proteger do sol e do calor, nos costumeiros passeios e atividades a pé – morávamos próximos dali e não tínhamos carro. Quantos de meus poemas de juventude foram compostos mentalmente nessas caminhadas à sombra dos oitis! À noite, as altas e densas copas das árvores tapavam as lâmpadas dos postes. Ficava um breu, desértico e cheio de perigos, como alertava minha mãe. Evitava, claro, embrenhar-me na escuridão, até que comecei a namorar... Encostados no muro de alguma casa abandonada ou no tronco de uma árvore, disfarçando as aparências, torcendo para não sermos reconhecidos por algum passante desavisado ou por outro casal escondido no escurinho, vivi momentos de descobertas furtivas e deliciosas. Inesquecíveis. 

Reencontrei-as recentemente, numa ensolarada tarde de sábado, quando estive em Araraquara, visitando minha centenária tia Célia Ribeiro Longo, que com certeza viu crescerem os oitis e acompanhou as tentativas – malsucedidas, felizmente – de derrubá-los, para modernizar a cidade, como fizeram na Rua 3. Escolhi novamente o caminho pela Rua 5, dessa vez, de carro. Eles continuam lá, embelezando e refrescando a cidade e protegendo algumas de minhas melhores pegadas araraquarenses preservadas na memória do escurinho da Rua 5, à sombra dos oitis.

Maria Mortatti – 13.01.2024

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Foto por Maria Mortatti, em 07.01.2024