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ZALINA ROLIM E A POESIA PARA CRIANÇAS / MARIA MORTATTI

No ano de 1984, depois de morar em várias cidades do interior paulista, a poetisa e educadora Zalina Rolim (20.07.1869 – 24.06.1961) mudou-se com a família para a capital paulista, onde permaneceu até o final da vida. Com a publicação de livros de poesia, com sua atuação como tradutora, adaptadora e divulgadora de textos poéticos e pedagógicos e como colaboradora em jornais e revistas, destacou-se como uma das precursoras da literatura infantil brasileira. 

Nascida em Botucatu/SP, Maria Zalina Rolim Xavier de Toledo – inicialmente o nome de batismo seria Maria do Rosário, depois Rosalina e, por fim, Zalina –, descendia de famílias paulistas importantes. Era filha do magistrado José Rolim de Oliveira Aires, bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, primo-irmão do jornalista Venâncio Ayres (1841 –1885), e de Maria Cândida do Amaral Rolim. Acompanhando o pai em postos na magistratura, a família morou em várias cidades paulistas – Botucatu, Itapetininga, Faxina, Sorocaba, Araraquara, São Roque, Itu – até a nomeação do pai como Juiz de Direito na capital, onde a família passou a morar. Na infância e juventude, não frequentou escolas, exceto por um breve período. Desde menina, era leitora dos românticos e parnasianos brasileiros e clássicos estrangeiros, como Victor Hugo. Como as mulheres de sua época, foi educada no lar, sob orientação do pai, um erudito, que a incentivava à leitura e à escrita de seus primeiros versos. Aos oito anos de idade, teve aulas particulares de português, francês, italiano e inglês, durante um ano, com o educador João Köpke, então Promotor de Justiça na cidade de Faxina/SP, onde o pai de Zalina atuava como Juiz de Direito. Na capital paulista, participou com Köpke e outros educadores da organização do Jardim da Infância, uma das escolas-modelo anexa à Escola Normal de São Paulo. Em 1896, quando o Jardim da Infância foi fundado, Zalina foi nomeada, pelo diretor da Escola Normal, Gabriel Prestes, como auxiliar de diretora (inspetora), pois não podia exercer a função de diretora, por não ter diploma de normalista. Passou a trabalhar como professora de linguagem e participou ativamente da gestão escolar, com base nos princípios do pedagogo alemão Friedrich Fröebel (1782 – 1852). Permaneceu nessa escola até 1900, quando se casou com José Xavier de Toledo, Ministro do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tiveram apenas um filho que morreu ao nascer. Depois da morte do marido, em 1918, Zalina se afastou da vida social e literária. Faleceu com 92 anos de idade. 

Colaborou nos jornais A Província de São PauloCorreio Paulistano e O Itapetininga, em revistas pedagógicas, com traduções/adaptações do inglês, italiano e francês, especialmente em versos e canções traduzidos do alemão por Rosina Soares, além de textos de sua autoria de pedagogia, ficção e poesia, como na Revista do Jardim da Infância (1896 – 1897), na Revista de Ensino (1902 – 1918), na revista Educação (1931 – 1932), e em A Mensageira: Revista Literária Dedicada à Mulher Brasileira (1897 – 1900), dirigida pela poetisa Presciliana Duarte de Almeida (1867 – 1944). Publicou apenas dois livros de poesia: O coração e Livro das crianças e organizou, em 1903, o Livro da saudade, com poemas íntimos, para futura publicação. O coração: poesias, impresso pela Typ. de Hennies & Winiger, de São Paulo, em 1983, foi bem recebido por jornais paulistas e cariocas e teve sua primeira e única edição esgotada. Seus versos pareciam “vestidos de mousselines caseiras, aromatisados com aquelles peculiares e suaves perfumes das gavetas dos moveis intimos”, nas palavras do poeta Ezequiel Freire. Livro das crianças foi impresso em Boston, EUA, pela C. F. Hammett & Company, e publicado no Brasil em 1987. Escreveu-o por convite e incentivo do educador João Köpke, que projetou o livro e as pranchas ilustradas sobre as quais Zalina escreveu os poemas com temas morais e instrutivos, valores privilegiados nos livros para crianças da época. A edição foi encomendada em 1893 e financiada pelo governo do estado de São Paulo, com tiragem de 20 mil exemplares para distribuição gratuita nas escolas públicas, com objetivo de auxiliar as professoras no ensino de linguagem oral e escrita. Obteve grande reconhecimento por seu trabalho e sua obra. Foi homenageada com patronesse de escola e biblioteca pública infantojuvenil e recebeu o título de Mestra do IV Centenário da Cidade de São Paulo, em 1954, além da homenagem do Centro do Professorado Paulista, em 1944. Sobre sua vida e obra foram publicadas: biografias, por Manoel Cerqueira Leite, Antonio de Arruda Dantas e Maria Amélia Blasi de Toledo Piza; pesquisas que realizei; vários estudos acadêmicos; e informações importantes em obras de referência sobre literatura infantil, em especial as de Leonardo Arroyo, Nelly Novaes Coelho, Marisa Lajolo e Regina Zilberman. 

Zalina Rolim escreveu para as crianças, conforme características de sua época, depois criticadas. Precursora que foi – ao lado de escritores, como Alexina Magalhães Pinto, Francisca Júlia, Júlia Lopes de Almeida, Figueiredo Pimentel, Olavo Bilac, Presciliana Duarte de Almeida, João Köpke, Arnaldo de Oliveira Barreto – Zalina Rolim abriu caminhos para a renovação no século XX, com novos conceitos de infância e literatura infantil. Mas algumas de suas lições poéticas ainda encantam, como “A primeira lição”, do Livro das crianças, em que Raul, menino traquinas que não queria aprender a ler, encanta-se ao ver sua irmã Ceci se divertindo, debruçada em um livro. Curioso, tenta ler, sem sucesso. Chora. E, finalmente seduzido pelos mistérios do livro, pede para aprender a ler:  

(...)
Que teria, meu Deus!
Aquele grande livro tão pesado,
Ali dentro guardado,
Longe dos olhos seus?

(...)

Mas a irmã, tal e qual
Uma bondosa mãe ao filho amado,
Fê-lo assentar se ao lado
E explicou-lhe o seu mal.
E com tanta razão
Que, abrindo atento o livro misterioso,
Raul pediu, ansioso,
A primeira lição.

Maria Mortatti – 01.10.2023