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PREFÁCIO - ANTONIO DA SILVA JARDIM NA HISTÓRIA DO ENSINO DE LEITURA E ESCRITA NO BRASIL

PREFÁCIO
ao livro
Antonio da Silva Jardim na história 
do ensino de leitura e escrita no Brasil,
de Franciele Ruiz Pasquim
(Cultura Acadêmica; Oficina Universitária, 2022)* 

Para leitores de hoje talvez possa parecer estranho que um homem que ficou conhecido na história do Brasil como “herói da República” tenha se dedicado também à propaganda do método João de Deus para o ensino inicial da leitura e escrita, que passamos a designar por “alfabetização”.

Assim foi com Antonio da Silva Jardim (1860-1891). Esse positivista militante, que, em especial nos dois anos antecedentes à proclamação da República, tornou-se ardoroso propagandista do novo regime político e da abolição da escravatura no País, foi também professor que defendia a modernização da instrução e a renovação dos métodos de ensino. Em 1882, com 22 anos de idade, estivera em “missão” na província do Espírito Santo, para divulgar o método João de Deus, contido na Cartilha maternal ou arte da leitura (1876), do poeta português, João de Deus. Em oposição aos métodos alfabéticos, fônico e silábico para o ensino da leitura utilizados no século XIX, Silva Jardim considerava esse método baseado o mais moderno, científico e revolucionário, porque baseado na palavração e de acordo com os princípios do positivismo comtiano bem como dos preceitos da Linguística mais avançada da época.

Em abril de 1884, tendo sido aprovado em concurso para a Cadeira “Gramática e língua nacional” da Escola Normal de São Paulo, proferiu a conferência Reforma do ensino da língua materna, em que defende o método da palavração. O resumo dessa conferência, publicado em opúsculo como modelo para ensino da leitura, é o documento-chave escolhido por Franciele Ruiz Pasquim para análise de sua configuração textual, com os objetivos de compreender o pensamento sobre ensino da leitura defendido por esse professor e a relação com as demais facetas de sua atuação, contribuindo, assim, para a produção de uma história do ensino de leitura e escrita no Brasil.

A pesquisa desenvolvida pela autora resultou em dissertação de mestrado que tive o prazer de orientar no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp – campus de Marília e que está vinculada ao Grupo de Pesquisa “História da Educação e do Ensino de Língua e literatura no Brasil” (GPHELLB), que coordeno desde sua criação, em 1994. E está também vinculada ao programa de pesquisa cuja matriz teórica se encontra no livro Os sentidos da alfabetização: São Paulo - 1876/1994, como as pesquisas anteriores sobre história da alfabetização que também orientei: de 2007 a 2010, em nível de graduação/iniciação científica; de 2011 a 2013, no mestrado; de 2014 a 2017, no doutorado.

Por meio da leitura deste livro, pode-se, por um lado, compreender a importância dessa faceta - quase desconhecida até à publicação dos resultados daquela pesquisa matricial - de Silva Jardim para a história do ensino de leitura e escrita no Brasil, iluminando e realçando a relação entre alfabetização e projetos de nação, que, a exemplo das evidências no atual contexto político e educacional do País, alguns querem esconder quando consideram a questão dos métodos como meramente técnica. Por outro lado - e não menos importante, pode-se também apreender o rigoroso e apaixonado processo de pesquisa cujos resultados a autora nos dá a conhecer, como parte de sua história de formação acadêmica e intelectual que tive e tenho o prazer de acompanhar, mesmo depois de encerradas as atividades formais de orientação.

Este livro, cuja leitura recomendo a pesquisadores, professores, estudantes e todos os que se interessam pela educação, vem preencher uma lacuna nos estudos sobre Silva Jardim e sobre história da alfabetização no Brasil. Publicado 130 anos depois do falecimento daquele professor e no ano do centenário de nascimento de Paulo Freire, o que Franciele Ruiz Pasquim nos apresenta sobre o passado instiga também a renovar reflexões e buscar ações concretas baseadas na advertência freireana, em Educação como prática da liberdade: o analfabetismo “é uma das expressões concretas de uma realidade injusta. Não é um problema estritamente linguístico nem exclusivamente pedagógico, metodológico, mas político, como a alfabetização por meio da qual se pretende superá-lo. Proclamar a sua neutralidade, ingênua ou astutamente, não afeta em nada a sua politicidade intrínseca.” 



Ribeirão Preto, 24 de outubro de 2021
Maria do Rosario Longo Mortatti

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*E-book gratuito: https://ebooks.marilia.unesp.br/index.php/lab_editorial/catalog/book/299