No primeiro e segundo turnos das eleições-2022, meu voto é em Lula-Alckmin, para a presidência de República, e em Haddad-Lúcia França, para o governo do estado de São Paulo. Voto em defesa da democracia e do estado de direito e do projeto de nação que essas candidaturas e seus programas de governo representam, especialmente no grave contexto político brasileiro atual. E voto também coerentemente com minha história de formação e de opções políticas, que o “clima” das campanhas eleitorais me faz rememorar.
Hoje, por exemplo, lembrei-me de dois episódios envolvendo meus atuais candidatos ao executivo federal e paulista. Um desses episódios, faz 20 anos, foi o que sentiu e disse minha tia-avó, Lélia Abramo, comemorando a eleição de Lula para presidente em 2002, quando estávamos em casa de minha mãe, em Araraquara-SP. O outro episódio, que costumo contar em palestras e hoje conto-o aqui, foi com Fernando Haddad e ocorreu há 16 anos.
Conheci Haddad, ao vivo, no dia 27.04.2006, em sua primeira gestão como Ministro da Educação. Foi durante o seminário “Alfabetização e Letramento em Debate”, promovido pela Secretaria de Educação Básica - SEB e realizado no auditório do MEC, em Brasília.[1]
Dois anos antes, em 2003, a Câmara dos Deputados aprovara o Relatório Alfabetização Infantil – Novos Caminhos, que recomendava a adoção oficial no Brasil do método fônico de alfabetização, encabeçado especialmente por pesquisadores e donos de institutos privados com material didático e demais suportes para a utilização do método.
O principal objetivo do Seminário de 2006 foi, então, promover o debate democrático e devidamente fundamentado sobre concepções e metodologias de alfabetização, considerando o papel indutor do MEC na formulação de políticas públicas, garantindo autonomia de decisão aos sistemas estaduais e municipais de educação.
No auditório lotado, estavam cerca de 80 participantes convidados, entre especialistas, pesquisadores, consultores da SEB, representantes de universidades, organizações não-governamentais, sistemas de ensino estaduais e municipais, além de jornalistas de importantes veículos de comunicação e informação nacionais e internacionais.
Fui convidada, por intermédio da professora Jeanete Beauchamp (Diretora do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, da SEB/MEC), para a conferência de abertura sobre “História dos métodos de alfabetização no Brasil”. Em aproximadamente uma hora, apresentei resultados de pesquisa, com síntese e exemplos em slides, abrangendo mais de 120 anos de história da alfabetização no país. Haddad estava sentado na primeira fila e ouvia atentamente. Ao final da conferência, ele fez a primeira intervenção. Cumprimentou pela pesquisa com tantas informações históricas que desconhecia e me perguntou, de modo sereno, direto e objetivo se eu concordava com o método fônico e sua adoção no Brasil (conforme recomendava o Legislativo), ou qual método de alfabetização eu defendo. Imediatamente respondi que sou contra o método fônico e que não defendo métodos porque os problemas da alfabetização não são causados por métodos e não se resolvem com um ou outro. É uma questão política, de projeto de nação. Disse-lhe que, como o tempo não daria para eu avançar nas explicações, pois havia outros três palestrantes no seminário, eu escreveria a resposta mais completa e enviaria a ele. Assim fiz em artigo de 2009.
Com o debate ocorrido no Seminário, o Mec confirmou a não adoção oficial do método fônico. Com a eleição do atual governo federal, em 2018, essa e outras propostas e políticas “não públicas” – e não apenas para a educação – "retornaram" e vêm sendo implementadas, de forma antidemocrática e autocrática. Mas esse é assunto para outros textos, como no artigo “Brasil 2091 – Notas sobre a ‘Política nacional de alfabetização’” [2].
Espero ter contribuído à altura da responsabilidade naquele Seminário. Acho que Haddad não lembra, mas, para mim, foi interlocução fecunda, que está registrada em dois textos disponíveis com acesso gratuito na Internet: “História dos métodos de alfabetização no Brasil” [3] e “A ‘querela dos métodos” de alfabetização no Brasil: contribuições para metodizar o debate” [4]
Esse não é, obviamente, o único motivo de meu voto em Fernando Haddad. Mas, recordo hoje, pois, além do significado do ponto de vista pessoal, o episódio é representativo do compromisso político com projeto democrático de gestão da coisa pública – para São Paulo e para o Brasil – que caracteriza a trajetória de atuação política de Fernando Haddad, meu candidato ao governo do estado de São Paulo. E, claro, de Lula, meu candidato à presidência do Brasil.
Maria Mortatti – 16.10.2022