A poeta me chamou para o passeio na praça. E escolheu o volume 1 - Viagem / Vaga música - de suas Poesias completas... (Civilização Brasileira, 1973). Lá estão o carimbo da Livraria Acadêmica de Araraquara, a data - 11.8.1976 –, o preço - Cr$ 50,00 -, a capa de plástico transparente (reutilizado da embalagem da carne) e minhas anotações a lápis em muitos poemas.
Acho que sei de coração a maioria deles. E relê-los é sempre um renovado encanto. Hoje me detive em “A última cantiga”, com o destaque para a estrofe:
“Ainda que sendo tarde em vão,
perguntarei por que motivo
tudo quanto eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito: ‘Não’”.
Recordei o momento em que li o poema pela primeira vez e por que esses versos foram tão importantes na minha juventude. Continuam me encantando. Mas, talvez por terem me ensinado tanto desde aquela época, hoje posso relê-los pelo avesso.
Na viagem de volta ao presente, com Cecilia ao meu lado e a cantiga no coração, compreendi: o “não” estava apenas por cima do que eu sempre quis de mais vivo. E muitas vezes o confundi com “fim”. É preciso descobrir, buscar e conquistar o “sim”, escondido por baixo e no avesso do “não” e do “fim”. Não é tarde, não foi em vão. A cantiga se renova, sempre como primeira vez. E o motivo é tão misterioso quanto o ofício de poeta: “Eu canto porque o instante existe.”
MARIA MORTATTI – 27.6.2021