Estou sitiada numa região avermelhada do mapa paulista. Por ironia – não do destino. A grande maioria da população daqui (não apenas, obviamente) “escolheu” o projeto verde-amarelado de nação que está em curso. Alguns, hoje, arrependidos. Mas o mal foi feito e continua sendo perpetrado e cultivado por muitos. Milhares de brasileiros de regiões antes naturalmente verdejantes estão empalidecidos pela asfixia. Dezenas de milhares perderam a vida. Milhões continuam lutando pelo direito de sobreviver. E todos podemos ser os próximos. Para meu/nosso azar. Como se sabe, motivos nada têm a ver com destino, vontade divina, limites cartográficos.
Como muitos, muitos, muitos aos quais me junto, sinto-me sufocada de angústia e indignação frente à dimensão da perversidade e da barbárie que parece não ter fim e busco formas de pensar e agir coletivamente em defesa do direito de todos às condições básicas para lutar pela sobrevivência e, sobretudo, à vida digna.
Por confiança na ciência, cuidados pessoais e sorte, estou bem viva! E, quando as impossibilidades, o silêncio confinado e o distanciamento humano parecem insuportavelmente desoladores, a literatura me salva. Como nestes dias agudamente sombrios: leio o livro de meu amigo e escrevo o posfácio de meu próximo livro. Nos intervalos, lendo e ouvindo noticias, recito - a plenos pulmões - os versos de Brecht: “Aquele que ri/Apenas não recebeu ainda/A terrível notícia.”*
Talvez a voz do poeta ecoe ao menos por estas terras e - quem sabe? – comova alguns dos que insistem em negar evidências científicas e desastres políticos e a sonegar o direito de todos à vida (e à vacina).
MARIA MORTATTI – 16.01.2021
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