Durante a viagem, com uma mão no volante do carro, outra na memória, folheei o livro que li no mestrado em meados dos anos 1980: Lógica formal, lógica dialética, de Henri Lefebvre, publicado no França em 1946/47 e traduzido no Brasil por Carlos Nelson Coutinho (Civilização Brasileira). Admitida a contradição lógica, lembrei-me do que não coube no tempo do serviço da manicure: meu canto na casa de Arthur, em Ribeirão Preto, o terceiro incluído, há três anos, na lógica dialética-afetiva de avó poeta. Para lá, levei a primeira escrivaninha da minha juventude araraquarense, comprada com “salário” de professora particular. Redescobri-a guardada por meu irmão, e passou a ser referência de nosso escritório, quando encontro com Arthur nesse território rodeado histórias, memórias, travessuras, gostosuras e livros que comprei ou trouxe para ele de minha biblioteca. Sobre a escrivaninha, o notebook, onde escrevi parte de meus textos nos últimos anos, entre eles: “O primeiro livro de Arthur” (Scortecci, 2022), com um capítulo dedicado à história da escrivaninha, e este texto, dedicado ao lindo menino que dorme na madrugada silenciosa.
Nesses três cantos – a sala 50 na Unesp – Marília, o escritório em meu apartamento em Marília e o escritório na casa de Arthur em Ribeirão Preto – estão reunidos os registros de meus quase 70 anos de vida e de leitora, mais de meio século de poeta, escritora, professora, pesquisadora e os primeiros três anos de avó, tecedeira de lembranças beijadas em vermelho. Entre ganhos e perdas, conquistas e fracassos, ordem e caos, encontros e desencontros, neles está: "o que fiz com o tempo que sobre a terra me foi dado" (Brecht), até agora. Meu melhor legado. Minha obra, minha vida.
Maria Mortatti – 04.01.2023