Escreveu seu primeiro conto aos nove anos de idade. Durante a vida, publicou três livros de contos: In a german pension (Numa pensão alemã) (1911), Bliss (Felicidade) (1920) e The garden-party: and other stories (A festa no jardim e outras histórias) (1922), além de contos em pequenas edições e em revistas literárias. Após a morte de Mansfield, Murry editou e publicou textos dela, reunidos de publicações avulsas, além de cartas e seus diários – mais de cinco dezenas de cadernos contendo desde contos inacabados e projetos de escrita até anotações pessoais. Em seu testamento de 1922, Mansfield pediu que o mínimo possível fosse publicado e o máximo possível fosse queimado... Seus contos, com narrativas curtas e enxutas, usando o recurso do fluxo de consciência, das reticências e da lacônica ironia, abandonando a estrutura fechada e o final surpreendente, caracterizam a versão moderna do conto, como aponta o escritor argentino Ricardo Piglia, a exemplo de James Joyce e Anton Tchekhov, este um dos escritores preferidos de Mansfield. Conta-se que, após ler "Bliss", Virginia Woolf confessou sentir inveja de Mansfield; sua Mrs. Dalloway, de 1925, evoca Bertha Young, protagonista daquele conto da neozelandesa. Clarice Lispector, ao ler esse livro, em tradução brasileira de 1940, exclamou: “Mas esse livro sou eu!”. Vinicius de Moraes dedicou um soneto para Mansfield. E Ana Cristina Cesar também traduziu e comentou o conto "Bliss".
Relendo hoje – cem anos depois do falecimento da escritora – aqueles contos publicados em Aula de canto (tradução de Edla Van Stein e Eduardo Brandão, Global, 1987), lembrei da inesquecível aula de conto... e de vida no jardim de minha mãe, há 30 anos, quando Katherine Mansfield se me revelou: com a professora de canto, Miss Meadow, que, do “desespero (...) cravado fundo no coração” termina com a voz cobrindo “todas as outras – cheia, profunda, ardente, expressiva”; com a menina Laura, em “Festa no Jardim”, só conseguindo dizer à enlutada e pobre família vizinha a quem levava os restos da comida da festa: “Perdoe o meu chapéu, sim?”; e das últimas palavras de Bertha Young, mulher inglesa, burguesa, de 30 anos, que, “de repente, ao dobrar uma esquina, [...] é invadida por uma sensação de êxtase – absoluto êxtase!" e, ao final de "Bliss", pergunta: “O que vai acontecer agora?!”
Maria Mortatti – 27.05.2023