COMO E POR QUE SOU POETA? ou A VEZ E A VOZ DA "MULHER EMUDECIDA"

O título é pretensioso. A história é longa. O tempo é breve, embora elástico. A memória é seletiva, involuntária e voluntariosa. As “madeleines”, não as escolhemos. Chegam para nos salvar, como o amor e a poesia: 

“bateu-se em todas as portas que a nada conduzem, 

e na única por onde se poderia entrar, 

e que se procuraria em vão durante cem anos, 

esbarra-se por acaso, e ela se abre.” 

(M. Proust) 

Acho que nasci dançando. Quando comecei a falar, cantei. E aprendi notas musicais antes do alfabeto. A prima Maria Luiza – mulher linda, casada e com dois filhos lindos - foi a primeira professora de piano. Saltitando e cantarolando em manhãs araraquarenses, eu percorria algumas quadras até sua casa. Depois cresci e estudei com professoras e em conservatórios “oficiais”. Acho que foram 9 anos, com desistências e retomadas. Mais crescida um pouco, troquei o piano por violão, um pouco de flauta, balé clássico e jazz. E em vez dos instrumentos musicais, os discos de vinil com canções brasileiras e estrangeiras, até à música clássica nas gravações da Deutsche Grammophon. Jovem adulta, também cantei em grupo coral religioso relembrando participação no orfeão escolar no curso primário. Em 1978, me despedi da terra natal, mas a música continuou comigo em discos – depois fitas cassete, CDs. Se a música precedeu a poesia, foi só por uma questão de tempo e ritmo. A música era/é poesia. E poesia era/é música. Quando me tornei poeta? Acho que sou desde sempre. Apenas passei a tocar com palavras-notas musicais registradas em textos-partituras. 

Assim são todos os meus textos acadêmicos-científicos e literários. Impossível separar uma de outra. Em todos a inspiração de meus amores literários e musicais. Assim são também meus livros de poemas “Breviário amoroso de Sóror Beatriz” (Patuá, 2019) e “Mulher Umedecida” (Scortecci Editora, 2. ed. 2021). Da música: Mozart no primeiro; Bach e Mahler no segundo. Em “Mulher Emudecida” – contos (Scortecci Editora, 2021): Tchaikovsky – a Patética – e Proust – “Em busca do tempo perdido”. 

Não dei conta do título pretensioso. Nem, tampouco, de detalhes que contarei em próximo livro, talvez. Mas ao menos pude reunir e tentar colar fragmentos desordenados da memória. Porque a porta se abriu – por acaso? -  para dar passagem a “Mulher Emudecida”. É chegada a vez de lançar sua voz aos quatro ventos. Com música-poesia-contos-partitura. 

Maria Mortatti - 25.04.2021

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Imagem: Acervo pessoal de Maria Mortatti